Fala viralizou e tem gerado forte comoção em parlamentares bolsonaristas, que acusaram o governador de incitação à violência (Foto: Montagem)
Na última sexta-feira (2), o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), cometeu um erro grave ao usar uma metáfora violenta em discurso na cidade de América Dourada (BA), ao criticar a condução da pandemia por Jair Bolsonaro. Disse que o ex-presidente deveria “pagar a conta” e sugeriu que ele e seus eleitores fossem levados “pra vala” por uma retroescavadeira.
A fala viralizou e tem gerado forte comoção em parlamentares bolsonaristas, que acusaram o governador de incitação à violência. Jerônimo tentou se explicar na segunda (5), disse que foi mal interpretado, pediu desculpas pelo uso da palavra "vala", mas sua retratação soou insuficiente — especialmente por vir de uma figura pública que deveria dar o exemplo.
A crítica é justa: ninguém em posição de poder deve normalizar discursos violentos, ainda que como metáfora. Mas tão importante quanto a crítica é observar quem critica — e com que grau de coerência. Já adiantando: nenhum.
Dois pesos, duas medidas
A base bolsonarista rapidamente tratou a fala como escândalo nacional. o ex-presidente Jair Bolsonaro, também apelidado de genocida devido ao seu comportamento durando a pandemia, chamou a declaração de "barbárie"; deputados como Nikolas Ferreira e Carlos Jordy disseram que a esquerda quer matar opositores. Alguns pediram investigação no STF. Houve até quem falasse de impeachment.
Mas é impossível ignorar a indignação seletiva. Muitos dos que agora se mostram escandalizados jamais condenaram as declarações violentas do próprio Bolsonaro, que em 2018 afirmou, usando um tripé para simular um fuzil, em cima de um palanque, no Acre, que iria “fuzilar a petralhada” e, em 2022, disse que “uma granadinha mata todo mundo”. Essas e outras falas sobre matar petistas não foram metáforas: foram ameaças explícitas, feitas com orgulho e sem nenhum pedido de desculpas.
Pior: o discurso teve consequências. O mestre de capoeira Moa do Katendê foi assassinado a facadas em Salvador, em 2018, por um eleitor de Bolsonaro, após declarar voto no PT. Em 2022, o guarda municipal Marcelo Arruda foi morto por um bolsonarista durante sua festa de aniversário, em casa, com temática petista. Nesse mesmo ano, no dia da eleição, casas com bandeiras do PT foram alvos de tiros, por parte de bolsonaristas. Nem dentro de casa as pessoas estavam seguras.
Esse histórico sangrento não gerou a comoção que vemos agora. Não gerou comoção nenhuma.
Vale lembrar também que durante a pandemia, Bolsonaro debochou da dor de milhões. Disse frases como “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”, “Sou Messias, mas não faço milagre” e “Não sou coveiro”, enquanto centenas de milhares morriam, ou pela doença ou por falha do Governo Federal em enviar o suporte necessário. Mais que isso: zombou de quem estava no leito de dor, sem conseguir respirar.
Nada disso motivou repúdio de seus aliados — os mesmos que agora exigem punição a Jerônimo por uma metáfora infeliz. Pelo contrário: ele defenderam o indefensável. Várias vezes.
ACM Neto e a régua torta da oposição
Na Bahia, seguindo a linha da indignação seletiva, o ex-prefeito e líder da oposição na Bahia, ACM Neto, também se manifestou sobre a fala de Jerônimo, exigindo uma punição severa ao governador. Ele classificou a declaração como tentativa de incitar o ódio e a violência, ao qual ele chamou de inaceitável. Mas o líder oposicionista, apoiador de primeira hora de Bolsonaro, nunca teve as mesmas palavras duras para as falas de incitação à violência ditas pelo companheiro de ideologia.
João Roma, presidente do PL (partido de Bolsonaro) também se arvorou às críticas seletivas. “Insisto em dizer: a política é um avanço civilizatório. Não é palco para fazer apologia à Barbárie. Foi justamente a política, a ciência da promoção do bem comum, que nos fez progredir enquanto sociedade”, disse. Não pensava assim quando a barbárie saia da boca do seu correligionário.
Política sem honestidade não transforma
Não se trata de defender o erro de Jerônimo — ele existe e precisa ser corrigido. Mas é preciso coerência. Quem ficou em silêncio diante da escalada de ódio dos últimos anos não tem credibilidade para posar agora como defensor da civilidade.
Clique aqui e siga-nos no Facebook
< Anterior | Próximo > |
---|