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Opinião

Eu vou botar teu nome na macumba.

Vou procurar uma feiticeira

pra fazer uma quizumba pra te derrubar.

Oi, iaiá:

Você me jogou um feitiço, quase que eu morri;

Só eu sei o que eu sofri!

Que Deus me perdoe, mas vou me vingar.

Eu vou botar teu retrato num prato com pimenta,

Quero ver se você "guenta" a mandinga que eu vou te jogar:

Raspa de chifre de bode;

Pedaço de rabo de jumenta;

Tu vais botar fogo pela venta,

E comigo não vai mais brincar.

(PAGODINHO, Zeca. Vou botar teu nome na macumba)

A 6ª turma do STJ decidiu que

Dizer que usará forças espirituais para obrigar uma pessoa a entregar dinheiro, mesmo sem violência física ou outro tipo de ameaça, configura extorsão. (REsp 1.299.021)

Infelizmente, o que vemos é uma brincadeira de mau gosto com o Direito Penal: transformam ele no laboratório do Professor Pardal.

Vamos à argumentação do por que essa prática não pode ser configurada como extorsão - e aproveitar e falar um pouco sobre o preconceito existente quando inserido o curandeirismo como crime. Senão vejamos.

O que diz o Código Penal sobre o crime de extorsão?

Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

Mas ora, como podemos dizer que "mesmo sem violência física ou outro tipo de ameaça" haverá o crime de extorsão se para a configuração do crime de extorsão o código penal exige o constrangimento mediante violência ou grave ameaça? É querer falar o que o código penal não fala. É invenção de ministro para manter a sanha punitiva.

Então, ameaçar que usará forças espirituais, sem violência ou grave ameaça, não é extorsão. No máximo, um crime impossível. Sim, porque o fato de alguém acreditar que forças espirituais existem e podem atuar não torna verídica a existência dessas forças. Há que se provar, primeiro, que elas existem e que podem atuar. Fora isso, é só superstição - e azar (?) de quem as tem.

Dito isso, podemos pensar: algum crime foi. Então qual? Poderíamos pensar no Curandeirismo.

O caso foi o seguinte:

A vítima contratou a acusada para fazer trabalhos espirituais de cura. A ré teria induzido a vítima a erro e, por meio de atos de curandeirismo, obtido vantagens financeiras de mais de R$ 15 mil. Tempos depois, quando a vítima se recusou a dar mais dinheiro, a mulher teria começado a ameaçá-la. Consta na denúncia que a acusada pediu R$ 32 mil para desfazer “alguma coisa enterrada no cemitério” contra seus filhos.

Podemos ter um caso de curandeirismo aqui.

Art. 284 - Exercer o curandeirismo:

I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;

II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;

III - fazendo diagnósticos

É um crime contra a saúde pública. Mas antes de ser um crime contra a saúde pública, tenho para mim que entrou no Ordenamento Jurídico de 1940 pelo preconceito contra práticas indígenas e comuns em muitos interiores sem médicos. A verdade é que o Curandeirismo sempre fez parte da história do Brasil - e do mundo, basta lembrar que a Igreja Católica queimava mulheres que faziam chá de raízes alegando que tudo aquilo não passava de bruxaria...

Nikelen Wilker em artigo cujo título é "Curandeirismo: um olhar sobre as práticas de cura no Brasil do Século XIX" nos diz que

Até o início da década de 1990, a visão da medicina como a forma de curar por excelência imperou soberana na historiografia brasileira. Quase todas as obras escritas a respeito até então, pretendem determinar como se compusera o passado da profissão médica e o caminho que esta percorreu lutando contra a ignorância, a superstição e os curandeiros - esses últimos quase sempre vistos como feiticeiros, velhacos e enganadores das mentes simples do povo. [...] A medicina acadêmica de tradição européia que passa a se estabelecer a partir de meadas do século XVIII, e que irá basear-se no racionalismo e na observação, era algo bastante inusitado em relação a outras práticas de cura - que se baseavam nas tradições culturais e na experiência empírica - existentes no seio das populações.

Isso é, a criminalização do Curandeirismo, no Brasil, deu-se em razão da cultura dominante, do interesse em fortalecer a medicina racional - e não estamos fazendo, aqui, juízo de valor disso - e de acabar com a competição com "o povo que curava dor de barriga com chá de folhas". Hoje então, com a indústria farmacêutica no topo da cadeia alimentar da saúde, é evidente que o curandeirismo é uma prática criminalizada, mesmo que dessa prática não advenha nenhum prejuízo. Inclusive, sendo crime de ação penal pública incondicionada, mesmo que o "chá de ervas" resolva a dor de barriga, o curandeiro pode ser processado. Absurdo, não é?

O fato, no caso em questão, é que podemos estar diante de um caso de Curandeirismo. A questão é: o STJ entendeu que o curandeiro em questão agiu tentando enganar a vítima. Mas ora, no crime de curandeirismo o curandeiro nunca age por má fé. É modus operandi do curandeiro o agir com a consciência de que "seu remédio" realmente dá certo. É o caso, por exemplo, das mulheres benzedeiras que, usando folhas, "tiram mau olhado". Muitas vezes elas nem cobram por isso...

Se a pessoa procura o curandeiro é porque acredita na força do curandeiro, então não há no curandeiro a má-fé ou intenção de enganar quem o procura. Diferente seria, talvez, se o curandeiro procurasse a pessoa necessitada e, usando de muitos argumentos e práticas de persuasão, induzisse a pessoa a acreditar no que ele diz - como acontece, todos os dias, em vários templos neopentecostais Brasil afora. Imagine: toda igreja comete crime de extorsão ao falar que aqueles que não dão o dízimo estão em pecado e condenados ao inferno...?!

Desse modo, esse caso nem foi extorsão e nem curandeirismo. Foi, no máximo, um negócio jurídico firmado entre duas pessoas. Coisa que deveria ser resolvido na Seara Civil, não Criminal.

 

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