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Nas duas últimas colunas, tratamos do crime de inscrição fraudulenta de eleitor, delito tipificado na regra do art. 289, do Código Eleitoral. Na coluna de hoje iremos falar a respeito de outras modalidades de fraudes eleitorais. É importante, porém, que o leitor conheça um pouco sobre o crime de inscrição fraudulenta de eleitor, pois diversas premissas dessas outras fraudes eleitorais são elementos comuns à fraude eleitoral.
Feita essa breve consideração, as outras fraudes que serão objeto dessa coluna consistem nos crimes deindução à inscrição fraudulenta e inscrição fraudulenta pelo juiz.
O crime de indução à inscrição fraudulenta está tipificado na regra do art. 290, do Código Eleitoral (induzir alguém a se inscrever eleitor com infração de qualquer dispositivo do Código Eleitoral, com pena de reclusão de até dois anos e pagamento de 15 a 30 dias multa).
Este crime, tal qual o tipo do art. 289, do CE, tem sua objetividade jurídica vinculada à higidez e lisura do processo eleitoral, ainda que a posição prevalente seja no sentido de que o bem jurídico objeto de tutela consista na proteção dos serviços eleitorais ( Cândido, José Joel. Direito Eleitoral, p. 279).
Enquadra-se no conceito de menor potencial ofensivo (art. 61, da Lei 9.099/95), sendo admissível a transação penal. Tendo-se em consideração a pena mínima cominada ao tipo penal (art. 284, do CE), admite-se igualmente a suspensão condicional do processo (art. 89, da Lei 9.099/95). Por se tratar de infração de menor potencial ofensivo, mesmo em hipóteses de condenação transitada em julgado, não há que se falar em inelegibilidade (art. 1º, § 4º, da LC 64/90).
São modalidades de inscrição o alistamento e a transferência, de modo que o induzimento de terceiro a fraudar qualquer uma das modalidades implica no reconhecimento do crime do art. 290, do CE.
Trata-se de crime comum, que não exige qualidade especial do sujeito ativo para ser praticado, podendo ser cometido por qualquer pessoa.
Segundo a doutrina de José Joel Cândido, “a incitação, instigação, o estímulo e o auxílio material também levam ao crime” (Direito Eleitoral, p. 279). A posição do doutrinador, contudo, viola frontalmente o princípio da legalidade penal, sob o prisma da taxatividade, ao incluir condutas que não são incriminadas de forma expressa no tipo penal. A única conduta expressamente prevista como núcleo do tipo penal consiste eminduzir, que significa “persuadir ou levar alguém a praticar algum ato“[1], no caso, a inscrição fraudulenta.
Assim, somente configura o crime do art. 290, do CE, a conduta daquele que, por qualquer meio, cria no intelecto de terceiro a ideia de se inscrever fraudulentamente como eleitor. Adotar essa interpretação restritiva – porém que atende plenamente ao princípio da legalidade – implica reconhecer que a instigação, que consiste em reforçar ou estimular a ideia preexistente do terceiro em realizar a inscrição fraudulenta, é figura atípica.
Essa conclusão seria possível pela análise do crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, que está tipificado na regra do art. 122, do CP, com a seguinte redação: “induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça“. Veja-se que nessa hipótese, tanto o induzimento como a instigação podem ser condutas criminalizadas, dado estarem expressamente previstas como condutas nucleares do tipo penal, o que não ocorre em relação ao tipo do art. 290, do CE.
Igualmente, discorda-se do doutrinador citado no sentido de que o auxílio material à inscrição fraudulenta de terceiro também poderia implicar na prática do crime tipificado no art. 290, do CE. A prestação de auxílio material em nada se confunde com o induzimento, que afeta apenas e tão somente a formação da vontade de terceiro, situando-se exclusivamente no plano intelectivo do indivíduo que se pretende realize a inscrição fraudulenta.
Poder-se-ia, então, questionar: o auxílio material à inscrição fraudulenta de terceiro é conduta atípica? Não. Isso porque existem outros tipos penais previstos na legislação eleitoral que, de uma forma ou de outra, irão se enquadrar na conduta de quem presta auxílio à inscrição fraudulenta de terceiro.
Por exemplo, na hipótese em que um terceiro presta auxílio material à inscrição fraudulenta de terceiro, fornecendo-lhe documentos falsos para a realização da inscrição, poder-se-ia cogitar da prática do crime de alguma modalidade de falso eleitoral (arts. 348 e ss., do CE).
Encerrada a breve análise do crime de indução à inscrição fraudulenta de terceiro, passa-se agora à análise do crime de inscrição fraudulenta pelo juiz, que está tipificado no regra do art. 291, do Código Eleitoral (efetuar o juiz, fraudulentamente, a inscrição de alistando, com pena de reclusão de até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias multa.)
O delito em análise em tudo se assemelha ao tipo do art. 289, do CE (inscrição fraudulenta de eleitor) – inclusive no que se refere às penas mínima e máxima e à (in) aplicabilidade de institutos despenalizadores –, com exceção do fato de se cuidar de crime de mão própria e, portanto, somente o magistrado eleitoral pode ser autor do delito, ainda que a participação seja admissível.
Na doutrina, discute-se se o magistrado eleitoral de segunda instância também pode ser autor do crime. A questão é pertinente pois, como regra geral, o responsável por promover a inscrição eleitoral é o juiz eleitoral de primeiro grau (arts. 45, caput, c. C. §§ 1º e 4º e art. 114, do CE), porém o recurso em face do indeferimento de inscrição será analisado pelo respectivo Tribunal Regional Eleitoral (art. 45, §§ 7º e 8º, do CE).
Nesse contexto, há posição doutrinária segundo a qual apenas o juiz de primeira instância pode ser autor do crime:
“Somente o Juiz Eleitoral (ou seu substituto) daquele município e daquela Zona Eleitoral poderá efetuar a inscrição de pessoa que pretende alistar-se como eleitor e nenhum outro, ainda que também seja Juiz Eleitoral mas responsável por outra Zona. (…) apenas o juiz eleitoral em primeira instância poderá ser o autor material da figura típica. O juiz em segunda instância não poderá ser sujeito ativo até porque a competência para apreciar e deferir os pedidos de inscrição é do juiz eleitoral em primeira instância.” (STOCCO, R.; STOCCO, L. O. Legislação Eleitoral … p. 642-643)
Muito embora se concorde que o autor do delito em questão somente possa ser o juiz eleitoral que detém competência específica para a análise da inscrição eleitoral – e não qualquer magistrado eleitoral –, discorda-se da afirmação de que somente o juiz de primeira instância poderia ser o autor desse crime. Isso porque a questão afeta ao alistamento eleitoral também pode ser objeto de apreciação recursal, momento processual em que pode ocorrer a fraude na inscrição eleitoral por magistrado de segunda instância ou mesmo de instância superior.
Encerrada a análise de algumas fraudes eleitorais, na próxima coluna iremos tratar de outros crimes envolvendo o alistamento eleitoral!
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