Carla Zambelli, que fugiu do Brasil após ser condenada a 10 anos de prisão. Gabriela Biló/Folhapress
Quando uma autoridade pública foge diante de uma condenação, o ato em si é mais do que jurídico ou político, é também profundamente psicológico. Recentemente, o Brasil acompanhou o caso da deputada Carla Zambelli, condenada pelo Supremo Tribunal Federal, que, ao invés de enfrentar as consequências de seus atos, tentou se esconder na sombra de uma imunidade política desgastada. Mas o que está por trás dessa reação de fuga?
Do ponto de vista da teoria da personalidade de Theodore Millon, comportamentos assim podem refletir traços narcisistas ou compulsivos misturados a estratégias de evitação de experiências desagradáveis. Para Millon, certos indivíduos desenvolvem um “eu” altamente defensivo, que se recusa a lidar com fracasso, crítica ou consequências, preferindo distorcer a realidade ou mesmo escapar dela. A fuga, nesse sentido, é uma forma de preservar uma autoimagem grandiosa e ao mesmo tempo frágil, que não tolera ser confrontada com limites externos.
Já a teoria cognitiva e comportamental nos lembra que a fuga é um reforço negativo: ao evitar o desconforto imediato de uma punição, a pessoa sente alívio, e isso aumenta a chance de repetir esse padrão. Em outras palavras, fujões acabam desenvolvendo um padrão da fuga como solução. Pensamentos distorcidos, como "sou vítima de perseguição" ou "não fiz nada de errado", alimentam esse ciclo. A mente nesse caso constrói justificativas para sustentar uma ilusão de controle, mesmo quando tudo já saiu do controle.
O problema é que esse tipo de comportamento não é uma exceção, se repetindo com frequência alarmante na cena política brasileira. Entre os casos mais recentes estão figuras associadas aos atos de 8 de janeiro que fugiram do país:
Allan dos Santos, por exemplo, fundador do portal Terça Livre, está foragido desde 2021 nos EUA após ter prisão preventiva decretada por participação em orgias digitais e desinformação, deixou o país em meados de 2020. Eduardo Bolsonaro pediu licença e se mudou para os Estados Unidos, alegando perseguição judicial, mesmo sem imunidade parlamentar fora do país. Esses exemplos concretos demonstram que a fuga do país é uma clara estratégia para escapar da aplicação da lei, reforçando padrões de evitação descritos na teoria de Theodore Millon, e as dinâmicas de reforço negativo da ciência comportamental.
A reflexão que isso me traz é por que toleramos representantes que fogem quando na verdade deveriam demonstrar ética na resolução das dificuldades? Não desejamos que políticos sejam capazes de utilizar a justiça e a ética de forma coerente? Se eles que trabalham legislando e influenciando não conseguem lidar com seus fantasmas, de que servem para nós? A consequência dessas 'fugas' é que o comportamento de uma liderança política influencia diretamente o comportamento social. Quando alguém em posição de poder se recusa a assumir responsabilidade, reforça em toda a estrutura da sociedade uma mensagem perigosa: a de que enfrentar as consequências é opcional. De que se tivermos dinheiro o suficiente para viajar para o exterior, a justiça perde seu alcance. Também envia a mensagem para pessoas que somos incapazes de lidar com nossas falhas e erros. Afinal somos humanos, e sim erramos, e muito, mas precisamos despertar para a realidade de assumir as consequências de nossas ações.
Fugir nunca é um ato neutro. Comunica à sociedade uma recusa em assumir responsabilidade, mina a confiança pública e revela, talvez sem querer, aquilo que o discurso político tanto tenta esconder: o medo, a desorganização interna e a profunda desconexão com a ética. Num país onde o enfrentamento das consequências deveria ser a base da vida democrática, a fuga de políticos condenados é um espelho do que precisamos transformar no sistema, sim, mas também no comportamento humano. Porque um político que foge diz muito sobre si. Mas diz ainda mais sobre o que estamos dispostos a aceitar.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum ou do CFF
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