Historicamente, o carnaval surgiu como um período de permissividade antes da Quaresma, o tempo de jejum e penitência da Igreja Católica (Foto: Reprodução)
O Carnaval como conhecemos hoje, frequentemente associado a excessos, diversão sem limites e muitos pecados, tem uma origem que remonta ao cristianismo romano e seus vínculos com o catolicismo permanecem até os dias de hoje. Embora seja considerado um evento profano, até a sua datação está diretamente ligada ao calendário litúrgico católico.
Historicamente, o carnaval surgiu como um período de permissividade antes da Quaresma, o tempo de jejum e penitência da Igreja Católica.
Como a data do Carnaval é definida?
Ao contrário de outras festividades fixas, o Carnaval ocorre em datas diferentes a cada ano. Isso acontece porque sua definição depende da Páscoa, que, por sua vez, é baseada no calendário lunar. Segundo a tradição católica, a Páscoa é celebrada no primeiro domingo após a primeira lua cheia que ocorre depois do equinócio da primavera no hemisfério norte (21 de março). Como resultado, a Páscoa pode acontecer entre os dias 22 de março e 25 de abril.
A Quaresma, período de 40 dias de preparação espiritual que antecede a Páscoa, começa na Quarta-feira de Cinzas. Para encontrar essa data, basta contar 46 dias antes do domingo de Páscoa (40 dias de jejum + 6 domingos que não entram na contagem). O Carnaval, por sua vez, marca os dias que antecedem esse período de penitência e termina na Terça-feira de Carnaval, 47 dias antes do domingo de Páscoa.
Por exemplo, em 2025, a Páscoa será celebrada no dia 20 de abril. Assim, a Quarta-feira de Cinzas será no dia 5 de março e a Terça-feira de Carnaval cairá em 4 de março. Esse cálculo se repete todos os anos, sempre variando conforme a data da Páscoa.
As raízes históricas do Carnaval
Apesar de estar inserido no calendário litúrgico católico, o Carnaval tem origens que remontam a festivais pagãos da antiguidade. Entre os principais antecedentes históricos da festa estão as Saturnálias e as Lupercálias da Roma Antiga, embora existem outras tradições associadas à origem dos festejos.
Durante as Saturnálias, festivais dedicados ao deus Saturno, ocorria uma inversão de papéis sociais, na qual escravos podiam se comportar como senhores, e havia festas, danças e permissividade. Já as Lupercálias, celebradas em fevereiro, estavam ligadas a rituais de fertilidade e purificação. Na Grécia Antiga, as festividades dionisíacas também traziam elementos semelhantes, com desfiles, danças e teatralizações irreverentes em homenagem a Dionísio, deus do vinho.
Com a cristianização da Europa, a Igreja Católica incorporou e ressignificou muitas dessas tradições. A ideia do Carnaval passou a ser a de um momento de despedida dos prazeres mundanos antes da seriedade da Quaresma.
A cristianização como solução
O processo de cristianização do Carnaval durou vários séculos e enfrentou resistência de clérigos e líderes religiosos. Já no século IV, o Primeiro Concílio de Niceia tentou eliminar festividades pagãs, mas as celebrações continuaram por toda a Idade Média. Diversos sínodos e concílios, como o de Leptines, no ano 742, condenaram os excessos das festividades, classificando-as como práticas pagãs. No entanto, proibições severas não surtiram o efeito desejado, e a Igreja acabou incorporando alguns elementos das festas ao calendário litúrgico, permitindo que o Carnaval se firmasse como um período de transição antes da Quaresma.
A adaptação gradual do Carnaval ao cristianismo ocorreu à medida que as tradições populares foram assimiladas e ressignificadas dentro do contexto religioso. O Papa Gregório Magno (590-604) formalizou a Quarta-feira de Cinzas como o início da Quaresma, consolidando o Carnaval como um período de despedida dos excessos antes do jejum. Apesar dessa cristianização, muitas das tradições carnavalescas preservaram características das celebrações pré-cristãs, refletindo sua origem em festivais pagãos como as Saturnálias romanas e as bacanais gregas.
Com o tempo, a festa foi ganhando diferentes expressões culturais pelo mundo. Na Idade Média, as cidades realizavam grandes celebrações, incluindo desfiles e bailes de máscaras, que evoluíram para os luxuosos carnavais de Veneza. Já no Brasil, influências indígenas, africanas e europeias transformaram o evento em uma das maiores manifestações culturais do planeta.
A origem do nome "Carnaval"
O próprio nome "Carnaval" possui várias teorias etimológicas. A explicação mais difundida é que deriva do latim "Carne Vale", que significa "adeus à carne", referindo-se ao jejum que se iniciaria na Quaresma. No entanto, há outras possibilidades. Alguns estudiosos sugerem que a palavra pode ter vindo de "Carrus Navalis", uma referência a antigos cortejos romanos com carros alegóricos em forma de navio, que faziam parte das festividades pagãs. Outra hipótese é que o termo esteja ligado à palavra "carnelevamen", que significa "alívio da carne", sugerindo um período de indulgência antes da abstinência religiosa.
A relação entre o Carnaval e a Igreja Católica
No contexto cristão medieval e renascentista, o Carnaval representava um período de permissividade controlada, funcionando como um “alívio” antes da Quaresma. Algumas permissões eram mais sociais e culturais do que propriamente religiosas. Durante esse período, o consumo de carne e a realização de grandes banquetes eram permitidos, contrastando com as privações que viriam a seguir. O uso de máscaras e fantasias proporcionava às pessoas a liberdade de se expressarem de formas que, em outros momentos do ano, poderiam ser consideradas inadequadas. Além disso, festas públicas com danças e músicas eram toleradas, mesmo que, em outras épocas, fossem vistas como excessivas.
Outro aspecto marcante do Carnaval medieval era a inversão de papéis sociais. Em algumas localidades, servos podiam “brincar” de ser senhores, e até mesmo criminosos circulavam livremente, embora não houvesse perdão real para crimes. Esse mecanismo servia como uma válvula de escape para aliviar tensões sociais antes do retorno à normalidade.
Durante a festa, a sátira contra figuras de autoridade, incluindo governantes e membros do clero, também era tolerada. Críticas eram encenadas em desfiles e peças de teatro, algo impensável em outros momentos do ano. No entanto, essas expressões tinham um limite: a Igreja permitia os exageros carnavalescos, mas sempre com o objetivo de reforçar a necessidade da Quaresma e do arrependimento posterior. Caso determinados comportamentos ultrapassassem esse limite, a Igreja ou as autoridades civis intervinham.
Uma festa com raízes religiosas e culturais
Embora o Carnaval moderno seja visto principalmente como uma festa popular, sua ligação com o catolicismo continua presente. Sua data está inegavelmente atrelada ao calendário litúrgico católico, e seu propósito inicial — uma despedida dos prazeres antes do período de reflexão da Quaresma — ainda pode ser percebido em algumas tradições. Dessa forma, o Carnaval não é apenas uma celebração profana, mas uma festa com raízes tanto religiosas quanto culturais. Ele reflete a fusão entre o sagrado e o mundano, entre a liberdade e a preparação para a renúncia, elementos que fazem parte da história da humanidade há milênios.
(Foto: Reprodução)
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