Primeira mulher a treinar a seleção brasileira de futebol feminino, Emily Lima foi apresentada oficialmente nesta quinta-feira (3) e concedeu sua primeira entrevista coletiva desde que foi anunciada para o cargo, na terça (1). Falou de tudo um pouco: esquema tático, renovação da seleção, a relação com Tite (ela também usa a expressão futebol apoiado), expectativa para a estreia e machismo no futebol. “Eu acho que é a sociedade. A cultura do nosso país é machista, mas a gente está quebrando essa barreira”, comentou. Abaixo, confira os tópicos da entrevista.
Esquema tático:
“Eu venho com a missão de fazer tudo diferente do que eu vivi durante 25 anos no futebol. Então vou trazer o de melhor e mais moderno pra CBF. Claro que tenho que pensar muito bem o modelo de jogo que vou utilizar porque, no clube (São José), eu tinha algumas peças em que eu teria que me adaptar às peças que eu tinha. Hoje eu tenho que convocar as melhores atletas da atualidade. Dentro disso tenho que propor um esquema de jogo bastante ofensivo. A princípio devo optar por duas linhas de quatro, isso sem a posse de bola. Mas com a posse de bola a gente vai transformar isso num 4-3-3. Eu gosto muito do jogo apoiado, de aproximação. A gente tem que se atualizar. Eu busco muitas informações da Europa, que acredito que hoje é um futebol vistoso e mais moderno que eu vejo”.
Mulher no futebol:
“Eu não acredito que o futebol mude com mulher ou sem mulher. Acho que a gente tem que estar capacitado ao cargo que está sendo proposto pra nós. Eu vou ter uma relação diferente com as meninas. Usar um pouco de psicologia com as meninas porque elas têm um pouco mais de abertura com outra mulher. Eu sentia isso como jogadora. Acho que a única mudança seria fora do campo mesmo, em ajudar em alguns problemas extracampo. Eu propus ao presidente (Marco Polo Del Nero) trazer uma coaching esportiva e ela seria mulher. Acho que ajudaria no desenvolvimento do trabalho”.
Relação com Tite, técnico da seleção masculina:
“Uma das perguntas que eu fiz ao presidente foi se eu poderia trocar ideias com Tite. Eu já vinha pensando isso quando ele estava trabalhando no clube que eu gostaria de estagiar com ele ou trocar uma ideia com ele. Isso eu espero que aconteça, vai engrandecer muito o meu trabalho. Não só o meu trabalho, como o trabalho que vai ser feito na seleção”.
Renovação do elenco:
“Dentro dessa renovação que a gente vai precisar fazer, eu ainda acredito que Marta (30 anos) vai continuar nesse próximo ciclo olímpico e Cristiane (31 anos) também. Eu ainda apostaria que a Formiga também, porque eu comecei a jogar com ela há 20 anos e ela joga do mesmo jeito. Mas infelizmente ela já vai estar com 42 anos na próxima Olimpíada. Então é apostar na renovação sim, mas com cautela, com calma. Eu acredito muito nisso”.
Como recebeu o convite:
“A ligação foi muito surpresa, mas em um momento que eu tinha acabado de perder o título da Copa do Brasil. Então foi uma prata que está valendo ouro. Na quinta-feira, às 19h30, eu joguei a final da Copa do Brasil e na sexta pela manhã recebi a ligação do Marco Aurélio Cunha (coordenador da CBF). Duas horas depois, o presidente (Del Nero) me ligou. Foi tudo muito rápido. Eu não esperava. Claro que a gente se prepara, mas receber uma ligação do Marco Aurélio e do presidente, claro que é uma coisa que te tira do lugar. Mas eu tenho que agradecer a todas as atletas e a todos os clubes em que eu passei. Eles me deram a oportunidade de chegar aqui”.
Plano de trabalhar com homens:
“Logo depois que eu recebi a licença B, eu recebi o convite para trabalhar na Copa São Paulo de juniores (masculina) com o São José dos Campos. Isso já era uma ideia que eu estava tendo, não de sair totalmente do futebol feminino, mas de buscar outros desafios. Eu nunca participei, mas vejo que o futebol masculino é bastante diferente. Hoje eu tenho que focar aqui para fazer o melhor trabalho possível na seleção e conquistar as competições que nós temos ao longo desses quatro anos”.
Torneio Internacional de Manaus, em dezembro:
“Acho que vai ser o meu maior desafio, por ser a primeira competição. Eu tenho que ter muita calma junto com toda minha comissão técnica. Não ir com muita sede em querer conquistar algo que a gente ainda precisa trabalhar. Hoje é a competição pra mim mais importante”.
Marta:
“Falar o que da Marta? Não tem palavras. Cinco vezes melhor do mundo, pra mim é uma atleta completa. A gente tem que aproveitá-la muito bem aqui dentro da seleção, desse novo grupo de trabalho que nós vamos ter”.
Capacitação das mulheres:
“A CBF vem pensando muito nas mulheres, tanto que hoje eu estou aqui. Eu estive conversando com algumas pessoas e eles (a CBF) vão começar a dar bolsa de estudos para as mulheres. Para nós, que trabalhamos com futebol feminino, é muito difícil fazer esse curso. A realidade do futebol feminino é muito diferente do masculino. Foi o melhor curso que eu já fiz na minha vida. Então pra nós, que financeiramente precisamos de outra renda pra viver, é difícil fazer esse tipo de curso. Ele é caro, mas vale a pena fazer. Nos grupos que eu trabalhei, as jogadoras não estão querendo dar sequência como treinadora, estão buscando outra área, como fisioterapia, nutrição. Não sei se por tudo que elas já vivem na carreira. Mas é de grande importância a gente se capacitar, estudar. Hoje eu preciso saber que eu estou preparada, eu não posso achar que estou preparada. E eu ainda quero estar aí do lado de vocês (jornalistas) vendo outras mulheres assumindo não só a seleção principal, mas as categorias de base também.
Sonhos na carreira:
“Meu principal sonho era estar aqui e este está sendo realizado. O segundo não é pessoal, é ver a modalidade onde ela merece estar. Eu estou há 25 anos na modalidade e sonho vê-la reconhecida e valorizada. Pra mim, o meu maior sonho, é ver a modalidade onde ela merece estar”.
Seleção permanente:
“Estamos ainda estudando muito sobre a seleção permanente. Eu não vou poder adiantar muita coisa. É um assunto que a gente vai priorizar mais pra frente. Agora a prioridade é definição da comissão técnica, que ainda não está definida. A seleção permanente vai ser nosso seguinte passo”.
Conversa com Marco Polo Del Nero:
“O papo foi muito bom e resumindo foi trabalho. Esse foi o teor da conversa: trabalho, trabalho e trabalho”.
Machismo no futebol:
“Eu acho que é a sociedade. A cultura do nosso país é machista, mas a gente está quebrando essa barreira. Eu vou valorizar muito o que o presidente está fazendo, tem muito coragem de colocar uma mulher à frente da seleção principal para que a gente posso ir quebrando isso aos poucos”.
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