Incêndio aconteceu na unidade da Pague Menos localizada na Avenida Getúlio Vargas, em Camaçar (Foto: Mauro Akin Nassor/Arquivo Cerreio)
Incêndio em farmácia de Camaçari matou 10 e deixou 14 feridos, em 2016
O incêndio na farmácia Pague Menos, em Camaçari, completa cinco anos hoje. O saldo da tragédia foram 10 mortos e 14 feridos. Nesse período, a empresa farmacêutica sofreu três ações na Justiça: uma penal, uma trabalhista e outra cível. Na esfera trabalhista, foi condenada, em 2019, a pagar R$ 2 milhões em indenização às vítimas e familiares, valor 80% menor que o pedido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Porém, o processo criminal ainda está em aberto e parece não andar.
Desde julho de 2020, quando a ação saiu da Vara de Camaçari e foi para a 2ª instância, por conta dos recursos pedidos pela defesa, a relatoria foi trocada cinco vezes. O relator é aquele que analisa o processo e prepara o relatório. “Os [relatores] sorteados ficam meses sem por a mão no processo, depois declinam a competência e mandam redistribuir. Está estranho, pois a média para julgar recursos em sentido estrito é de seis meses”, declara uma fonte, sob condição de anonimato.
Em 13 meses, o processo penal passou pelas mãos da desembargadora Aracy Lima Borges, que o repassou para o juiz Ícaro Almeida Matos, que devolveu à Aracy que, por sua vez, reencaminhou para o desembargador Pedro Guerra (veja na linha do tempo ao lado). Os autos estão desde 26 de outubro desde no gabinete de Pedro Guerra.
Até sentença o processo já teve. O juiz titular da Vara do Júri e Execuções Penais de Camaçari, Waldir Viana Ribeiro Junior, apontou dois dos quatro réus como culpados: o gerente da Pague Menos na Bahia, Augusto Alves Pereira, e o funcionário da AR Empreendimentos, Luciano Santos Silva, que foi consertar o ar-condicionado da loja naquele dia. Os outros dois acusados, Rafael Fabrício de Almeida, dono da AR Empreendimentos, e Erik Bezerra Chiana, que ordenou os funcionários a trocarem o telhado da farmácia, foram considerados inocentes pelo juiz.
Relembre o incêndio:
O incêndio aconteceu por volta das 14h, quando as chamas começaram a tomar conta da farmácia. A unidade da Pague Menos localizada na Avenida Getúlio Vargas, em Camaçari, estava em obras, mas aberta aos clientes. Durante a ocorrência, operários faziam o conserto do telhado e do ar-condicionado, quando houve uma explosão, seguida do incêndio. O último corpo foi retirado do local pelo 10º Grupamento de Bombeiros Militares às 19h10. Os feridos foram encaminhados para Unidades de Pronto Atendimento (UPA), Hospital Geral de Camaçari e, posteriormente, para o Hospital Geral do Estado (HGE), em Salvador, onde existe uma unidade de queimados de referência.
Durante o processo criminal, 30 pessoas foram ouvidas, sendo 22 testemunhas, 14 vítimas sobreviventes e quatro réus. Três perícias foram feitas pelo Departamento de Polícia Técnica (DPT) da Bahia. Por se tratar de um crime que foi classificado como homicídio doloso [quando existe dolo, por ação ou por omissão e negligência], o juiz não decide sozinho, é preciso de um júri popular. Contudo, por conta dos recursos e demora da escolha do relator, o processo está há 16 meses em 2ª instância sem ser julgado. Somente após o julgamento do recurso em 2ª instância que o processo voltará para a Vara de Camaçari. A partir daí, o júri poderá ser marcado e o processo julgado e concluído.
Homicídio doloso
As acusações contra Augusto e Luciano são a prática de dez crimes de homicídio doloso, ou seja, quando há a intenção de causar a morte, e 17 tentativas de homicídio. O juiz entendeu que eles sabiam dos riscos que os procedimentos realizados na farmácia poderiam causar, ainda mais com ela aberta para clientes.
O laudo da polícia concluiu que a explosão foi causada pelo uso incorreto de um kit OXI-GLP, composto por gás de cozinha e oxigênio, usado por Luciano Silva - o que consertava o ar-condicionado. “Eram executados dois serviços perigosos, troca de toda a estrutura do telhado e seu suporte metálico, além de manutenção do sistema de ar condicionado, sobretudo com uso de equipamento de solda "OXI-GLP", na presença de materiais inflamáveis, com a loja aberta e em pleno funcionamento, ao arrepio das normas regulamentadoras expedidas pela Autoridade do Ministério do Trabalho”, detalha a sentença do juiz.
Vítimas ainda fazem terapia
Duas das vítimas que sobreviveram ao incêndio ainda fazem terapia para lidar com as sequelas psicológicas. “Ninguém ficou sem trauma. Qualquer estrondo que ouço, já fico assustado. O psicológico fica abalado para o resto da vida”, conta um ex-funcionário da Pague Menos, que pediu anonimato. Ele chegou a ter arranhões e escoriações, foi levado ao hospital e teve alta no mesmo dia.
Desde que chegou à loja no dia da ocorrência, ele sabia que não seria um dia de trabalho normal. “Foi um dia diferente, porque estava tendo reforma enquanto a gente estava trabalhando com pessoas em cima da nossa cabeça [no telhado]. Então a gente estava trabalhando com medo. Mas não imaginava que ia chegar a esse ponto de ter a explosão e o teto desabar. Só deu tempo de correr para o fundo”, relembra a vítima. Ele não quis dizer quanto foi pago de indenização pela empresa, mas afirmou que o valor foi menos da metade do pedido pelos advogados.
Já outra vítima, Tâmela Alcântara, ainda trabalha na farmácia. Ela também recebeu a indenização da empresa. “Ainda carrego os traumas daquele dia terrível. Graças a Deus não tive danos físicos, só escoriações leves. Porém, meu psicológico não é mais o mesmo. Levei um tempo até conseguir dormir bem a noite toda, tenho crises de ansiedades e faço acompanhamento com psicóloga”, contou Tâmela. Depois do acidente, ela tomava, inclusive, medicamentos para conseguir dormir. Ao engravidar, interrompeu a medicação.
Defesa
A defesa dos acusados pelo incêndio pede que a queixa seja modificada de homicídio doloso para culposo, quando não há intenção de matar. A pena cairia de seis a 20 anos para, no máximo, dois anos. Por eles serem réus primários sem antecedente criminal, poderiam, inclusive, nem ir para a prisão. O advogado da Pague Menos, Marcelo Leal, acredita que o acidente foi devido a causas naturais, por conta das fortes chuvas nos dias anteriores.
Por isso, ele crê que há “um grande equívoco” na descrição do acidente. “O Ministério Público afirma que teria ocorrido uma explosão de um botijão de gás, o que é uma grande bobagem, uma imbecilidade. Existem filmagens do momento do acidente que mostram que tinha prateleiras intactas. Se tivesse ocorrido uma explosão, o teto ia para todos os lados, o forro, que era de PVC, não estaria intacto, nem o vidro da fachada”, descreve Leal. Ele disse que mostraria as imagens da câmera de segurança para a reportagem, mas não enviou os arquivos até a publicação desta matéria.
O evento, para ele, foi imprevisível. “Tivemos chuvas torrenciais durante aquele período e a farmácia era um prédio antigo. A laje, no centro do prédio, encharcou e cedeu com o peso. Era um evento absolutamente imprevisível, porque o teto cedeu levando a fiação, que ficava embaixo dela. Ela caiu sobre o material inflamável e entrou em curto circuito, gerando o incêndio. Tanto não foi uma explosão que, em cima da laje, estava um dos trabalhadores, que caiu com a laje e saiu de lá inteiro”, reforça o advogado.
Órgãos competentes
A Polícia Civil disse que não comenta procedimentos concluídos e encaminhados à Justiça. Já o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) informou que o processo foi encaminhado para o Poder Judiciário e está em grau de recurso, aguardando o julgamento, mas não quis explicar o motivo de tantas trocas na relatoria. O Tribunal afirmou que a reportagem deveria entrar em contato com o Ministério Público da Bahia (MP-BA), autor da ação ou os advogados das partes envolvidas.
O MP-BA, por sua vez, pediu que a reportagem procurasse o Tribunal de Justiça, pois o processo já está em andamento na Vara do Júri, não mais na promotoria. O MP apenas disse que o processo aguarda julgamento pela 1ª Turma da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça.
A Polícia Militar, por sua vez, disse que não dispõe de informações referentes ao assunto. E o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT5), o Corpo de Bombeiros Militar e o DPT também foram procurados, mas não responderam até o fechamento desta edição, às 23h de ontem. Os órgãos tiveram sete dias para enviar resposta.
Vítimas do acidente:
1) Luciane Alves - faleceu em consequência de carbonização
2) Maria Do Carmo Santos Menezes - faleceu de trauma crânio-encefálico e carbonização
3) Celine Peres Souza Castro - faleceu de trauma crânioencefálico
4) Roseane Dos Santos - faleceu de trauma crânio-encefálico e carbonização
5) Cristiana Do Nascimento - faleceu em razão de hemorragia encefálica
6) Tatiane Ribeiro Mendes - faleceu de queimadura de 2º e 3º graus em 100% de superfície corpórea e intoxicação por monóxido de carbono
7) Lidiane Macedo Silva - faleceu de intoxicação exógena por inalação de material fuliginoso associado a queimadura de grande área corporal
8) Idalia Simão Dos Reis - faleceu de politrauma e carbonização
9) Denilda De Jesus Puridade - faleceu de trauma crânioencefálico e carbonização
10) Vilma Conceição Santos - faleceu em razão de queimadura de 2º e 3° Grau em 62% de superfície corporal
Linha do tempo:
23/11/2016: Ocorre o incêndio
23/11/2016: Sobe para seis o número de mortos e para 14 o número de feridos
25/05/2016: 8 pessoas são indiciadas pelo crime
24/11/2016: Morre 9ª vítima do acidente
25/11/2016: Morre 10ª vítima do acidente
05/12/2017: MPT pede R$ 10 milhões de indenização à Pague Menos
25/09/2019: Pague Menos é condenada a pagar R$ 2 milhões
18/10/2019: Gerente da Pague Menos é inocentada sobre explosão de farmácia em Camaçari
9/07/2020: Processo criminal é recebido e cadastrado no 2º grau
11/09/2020: Processo criminal é distribuído à Desembargadora Aracy Lima Borges
28/09/2020: Aracy Borges despacha processo criminal declarando-se incompetente
16/10/2020: Processo criminal é redistribuído ao juiz Ícaro Almeida Matos
23/10/2020: Pague Menos desiste de recurso e paga indenização de R$ 2 milhões
5/11/2020: Juiz Ícaro Matos despacha processo criminal, devolvendo-o à Aracy Lima Borges
23/11/2020: Secretaria da Câmara envia processo criminal novamente para Aracy
20/04/2021: Indenização de R$ 700 mil paga pela Pague Menos é repassada para as Osid
18/10/2021: Aracy despacha processo criminal ao Desembargador Pedro Guerra
26/10/2021: Autos do processo são encaminhados ao gabinete do Desembargador Pedro Guerra
Veja também:
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