(Foto: Moysés Suzart)
Sexo feminino deu mais entradas nos postos de saúde por conta de intoxicação alcoólica no carnaval
Não precisa de nenhuma pesquisa do IBGE para saber qual é a frase mais dita na quarta-feira de cinzas: “nunca mais eu bebo". Um autoengano que chega a ser um patrimônio carnavalesco do cinismo para quem maltratou o fígado e a dignidade durante todo o carnaval. Este ano, tivemos cerveja, príncipe maluco e outras bebidas de procedência incerta, como sempre. Contudo, três cavaleiros do apocalipse foram os campeões da manguaça e os queridinhos das mulheres: beats senses, sabor caipirinha e a famigerada GT (gin e tônica). Quem comeu água com estes verdadeiros portais para Nárnia, com certeza passou aperto ou tem muitas histórias para contar. Se lembrar de alguma, né?
“Quer uma mistura explosiva? Beats caipirinha com Príncipe Maluco. Misture ambos e é como entrar no armário para Nárnia”, receita a foliona Sabrina Cunha. Ela já faz esta receita desde o ano novo na Boca do Rio, passando pelo pré-carnaval e terminando na quarta-feira de cinzas. Quando ‘bate onda’, nossa querida carnavalesca entra no modo automático e seja o que Deus quiser.
“Você não sabe onde está, você não sabe como chegou em casa. De repente, estou aqui em Ondina, daqui a pouco eu já estava na Barra, sem saber como fui parar lá. A chuva já não molha mais, o bloco está tocando pagode, mas a criatura está dançando funk. É sobre isso aí, entendeu? É nessa pegada”, completa Sabrina, que no domingo de carnaval, do nada, resolveu ir andando para sua residência. O detalhe é que ela mora no Rio Vermelho. “Quando me dei conta, já estava perto de casa”, lembra.
Existe até um modus operandi para quem se tornou expert na arte de beber latinhas beats. No circuito, a versão GT custa R$ 10, enquanto as demais saem por R$ 8 e duas por R$ 15. Repararam que algumas mulheres ficam com um saco de mercado cheio de latinhas? Pois bem. Uma caixinha com seis unidades, fora do circuito, custa R$ 35,04. Cada lata acaba saindo por R$ 4,38. “Vou no mercado perto do circuito, compro uma ou duas caixas, levo para o carnaval e fico trocando com os vendedores ambulantes por latas geladas. Quando acaba, começo a comprar pelo valor mais caro. Já tomei glicose no posto na sexta-feira, mas de boas”, disse Rebeca Lima.
Vamos aos comparativos. O teor alcoólico nos beats, de 269 ml, é de 7,9%, muito maior que o da cerveja vendida na festa (4,8%). Agora imagine misturando com outras bebidas, como o Príncipe Maluco, que tem o teor de álcool desconhecido. A receita varia de bruxo para bruxo. Geralmente, a receita vem com guaraná em pó, canela, mel, cravo, catuaba, vodca e cachaça. Uma bomba que derruba e dá muito trabalho aos módulos de saúde. Percorremos postos instalados no Farol da Barra, Morro do Gato, Sabino Silva e Ondina. Bastou meia-hora para ver 10 mulheres entrarem nos módulos, além de dois homens, somente no Farol. Todos alegaram terem misturado bebidas quentes com as beats do apocalipse.
“Ela tomou Beats e misturou com o Whisky que eu trouxe. Não aguentou", resumiu Carlos, namorado de Roberta, que vomitava copiosamente na frente do posto no Farol. “Ela não quer entrar para tomar glicose”, acrescenta o namorado. Ela acabou cedendo e entrou. Roberta só precisou de três horas na folia para chegar a este ponto. Saiu 40 minutos depois e foi direto para casa.
Atendimentos
“Glicose na veia, sem dúvida, é o que mais utilizamos aqui nesta base. É surreal a quantidade de mulheres dando entrada por intoxicação alcoólica. Ainda bem que temos estoque suficiente, mas achava que esta turma poderia maneirar mais ou, pelo menos, não misturar”, disse uma atendente de um dos postos, que pediu para não ser identificada. Eles não podem dar entrevista sem autorização da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), mas alertou. “Aqui também chegam mulheres que só tomaram uma dose e apagaram, geralmente em camarotes. Alegam que alguém colocou algo na bebida delas”, completa.
Solicitamos ao SMS o número de glicoses adquiridas para a festa, além de utilizados pelos foliões, mas não obtivemos retorno até o fechamento da edição. Contudo, a prefeitura divulgou o que já desconfiávamos. Até a segunda-feira de carnaval, Salvador registrou 290 casos de intoxicação alcoólica nos módulos, 173 só de mulheres, o que corresponde a quase 60% das notificações.
Vice-prefeita de Salvador e secretária de saúde da capital, Ana Paula Matos ficou preocupada com os números de mulheres que ultrapassam os limites, mas tem algumas explicações. Segundo ela, as condições dos banheiros após algumas horas de festa, além das dificuldades de utilizá-las, leva às mulheres a evitar cerveja, que é diurética, e a optar pelas bebidas de maior concentração alcoólica, que tem impacto menor sobre a produção de urina. A própria Ana, que não é de ferro, sabe das dificuldades para as mulheres que gostam de tomar uma na folia, como ela.
“Eu realmente vi isso no circuito. Muitas mulheres levam a própria birita nas garrafinhas de água mineral ou similares. Dava pra ver que era destilado misturado com outra coisa. Eu fiz o mesmo, pois curto mais bebida doce e amarga ao mesmo tempo, tipo Campari, Aperol, Martini, Gin com alguma coisa ou cachaça curtida com semente como cambuí. E vi muitas amigas dizendo que preferia roska, caipirinha e similares pra não ter que encarar o banheiro toda hora por causa da cerveja”, disse Ana Paula, que também lembra de um detalhe científico. “Essa diferença entre álcool na mulher e no homem já é respaldada pela ciência. Menos água no corpo delas e pouco costume de beber [também] explicam”.
Apesar das manguaças neste carnaval, tivemos uma redução significativa nos casos. Ainda segundo dados com a SMS, em 2020, quando a covid-19 era apenas uma ameaça, foram 496 atendimentos no mesmo período, uma redução de 41,5%. “As ações preventivas da Vigilância Sanitária praticamente retiraram das ruas essas bebidas artesanais como príncipe maluco, capeta e outras não autorizadas e que possuem componentes desconhecidos que podem de forma súbita levar a embriaguez”, completa Ana Paula Matos. Apesar da diminuição, não era difícil encontrar Príncipe Maluco, principalmente próximo do circuito. Um copinho de 50ml custava R$ 3.
Nem adianta mais pedir para maneirar na bebida ou beber com moderação numa quarta-feira de cinzas. Agora, melhor dar algumas dicas de como curar a ressaca. Beba café, de forma moderada, e bastante água. Na alimentação, evite comidas pesadas e coma proteínas e fibras, como frutas. Se não estiver de virote, aproveite o fim da folia para repousar, nem que seja após o arrastão. Outra dica: não custa nada dar um tempo na cachaça, principalmente depois de tantos dias comendo água.
Clique aqui e siga-nos no Facebook
< Anterior | Próximo > |
---|