Era para ser um passeio pela França de Debussy, Rauvé, Ravel e Massenet. Mas as obras dos grandes compositores da música clássica deram lugar a uma manifestação com ares de protesto, regido pelos membros da Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba), neste domingo (28), em uma apresentação na Igreja de São Francisco, no Pelourinho.
A insatisfação que ressoava deu o tom de uma realidade que já se arrasta desde que a orquestra foi fundada, há 33 anos, mas que, segundo os próprios músicos, nunca tomou proporções tão grandes. O concerto Osba na França, previsto para ontem, teve de ser cancelado na última sexta-feira por falta de músicos. Por isso, na apresentação de ontem, nada além de apresentações individuais e duetos, definidos de última hora.
De acordo com o maestro e curador artístico da Osba, Carlos Prazeres, a orquestra não tem mais seu caráter sinfônico. “A Osba hoje não pode nem ser chamada de Orquestra de Câmara, que é menor”. Ainda assim, ele prefere não chamar o evento de protesto.
Para o regente, é um “concerto realidade”. E essa realidade não é muito inspiradora. Atualmente, além da Spalla (a primeira violinista da orquestra), há quatro primeiros violinistas. Deveriam ser 14. Também são quatro segundos violinos, quando o ideal seriam 12. O número quatro persegue ainda as violas, que deveriam ser 10. Há, ainda, seis violoncelos (10 são necessários) e seis contrabaixos (o ideal seriam 8). Não há fagote, nem contrafagote.
Ao todo, seria necessário contratar mais de 30 músicos. “Gosto de usar uma analogia do futebol para que as pessoas compreendam o mundo sinfônico. É como se, num time de 11 jogadores, nós só tivéssemos sete, depois de várias expulsões. E aí ficamos sem outros dois. Estamos perdendo por W.O. (quando não há adversários)”, explica.
Um dos dois novos desfalques foi justamente da Spalla, Priscila Plata Rato, que teve uma crise de tendinite e não se recuperou a tempo. Já em março, ela também deve sair por completo da Osba. Além de Priscila, o violinista Rogério Fernandes precisou passar por uma cirurgia emergencial e também ficou de fora da apresentação. Os outros desfalques - esses, permanentes - são devido a aposentadorias e desligamentos.
Pior momento
Assim, com apenas três violinistas, a situação ficou insustentável. As sinfonias, como as tradicionais de Beethoven e Mahler, já não podem ser tocadas. “Sem os violinos, não dá para tocar. O (grupo de instrumentos) sopro cobre”, pontua a harpista Mariana Tudor, na Osba há sete anos.
Uma orquestra sinfônica também costuma ter, no mínimo, 100 músicos, segundo a violinista Ana Zapata. “Além dos fixos, tem uns cinco ou seis violinistas de reserva. Tem outros dois ou três de cada instrumento. Aqui, nós não temos nem o mínimo”, afirma.
Há 27 anos na orquestra, o músico Pedro Robatto, chefe de naipe do clarinete, diz que é o pior momento da Osba, no que diz respeito ao número de membros. “Nunca tivemos uma situação como hoje, nem nunca tivemos que cancelar um concerto, como foi hoje. A Osba, hoje, custa entre R$ 5 e 6 milhões. O ideal era ter pelo menos o dobro ou que chegasse perto dos R$ 15 milhões”.
Público fiel
Mas, para quem foi à igreja no Pelourinho, os problemas enfrentados pela orquestra não atrapalharam a apresentação. “Eles foram no meu bairro, o Garcia, e gostei muito. Adorei e decidi vir hoje, mas não estava sabendo (da crise). É uma pena. Tomara que contratem novos músicos logo”, comentou a doméstica Jeize da Silva, 58 anos.
Para a arquiteta Ana Marília Pinto, 34, o fato de todos os lugares estarem ocupados na igreja mostrou que a orquestra tem um público fiel. “Acho que é uma falta de respeito que coisas tão bacanas não recebam tanto investimento quanto outras”.
A guia de turismo Clara Manuela, 32, lamentou a situação. “Já vi outra apresentação na Ordem Terceira do Rosário e é uma pena, porque eles têm um repertório excelente. Uma orquestra numa cidade como Salvador é fundamental”.
Solução
Segundo o maestro Carlos Prazeres, os membros da Osba têm esperança que o governo estadual encontre uma solução. Na gestão do ex-secretário da Cultura, até 2014, Albino Rubim, foi decidido que usariam um modelo de publicização - a gestão ficaria a cargo de uma entidade privada sem fins lucrativos, mas a orquestra continuaria ligada ao estado.
Assim, não seria necessário aguardar por um concurso público, mas simplesmente realizar audições para a contratação de novos profissionais. É o que já acontece com a Neojibá. Porém, a ideia não foi para frente. “Num momento de crise, existem muitos pedidos. Mas não estamos pedindo maiores salários. Apenas queremos existir, fazer o nosso trabalho. A gente não pode dizer que a Osba morreu, mas ela está em coma, na UTI”, lamenta o maestro.
Segundo a Secretaria da Cultura do Estado (Secult), o secretário Jorge Portugal está empenhado em resolver os problemas da Osba. Ainda segundo o órgão, as medidas que devem ser adotadas serão anunciadas em breve.
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