Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Amanda Perobelli | Reuters)
O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anulou nesta segunda-feira (8/3) as condenações de Lula no caso do tríplex do Guarujá, do sítio de Atibaia, da sede do instituto e das doações ao Instituto Lula, todos localizados no estado de São Paulo. Fachin declarou a 13ª Vara Federal de Curitiba, que tinha como titular o ex-juiz Sergio Moro, incompetente para processar e julgar o ex-presidente. Com a decisão, o petista volta a ter direitos políticos e pode disputar uma eleição.
"Declaro, como corolário e por força do disposto no artigo 567 do Código de Processo Penal, a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos das denúncias", diz o despacho.
O ministro diz que os autos devem ser enviados para a Justiça do Distrito Federal e que caberá "ao juízo competente decidir sobre a possibilidade de convalidação" de depoimentos e de coleta de provas.
Fachin justificou a decisão com o respeito ao princípio da colegialidade. Ele afirmou que, após o julgamento do Inquérito 4.130 pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência restringiu o alcance da competência da 13ª Vara Federal.
O relator destaca que, mesmo ficando vencido em relação ao tema, levou em consideração a evolução do entendimento na 2ª Turma em casos semelhantes, entendendo que o mesmo deve ser aplicado ao ex-presidente da República — o que, aliás, já tinha sinalizado em decisão anterior, referente a supostos crimes envolvendo a Transpetro.
O ministro julgou um Habeas Corpus ajuizado pela defesa de Lula em 3 de novembro de 2020. Defendem o petista os advogados Cristiano Zanin, Valeska Martins, Eliakin Tatsuo e Maria de Lourdes Lopes.
"Embora a questão da competência já tenha sido suscitada indiretamente, é a primeira vez que o argumento reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal", afirmou a defesa em nota.
O novo núcleo da "lava jato", que agora integra o Gaeco do Paraná, informou que "não atua na instância junto ao Supremo Tribunal Federal, portanto segue trabalhando nos casos que competem ao grupo nos processos junto à Justiça Federal no Paraná".
Por sua vez, a 13ª Vara de Curitiba afirmou que "cumprirá a decisão do excelentíssimo ministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal, remetendo os autos ao juízo indicado".
Possibilidades futuras
Ao anular apenas os "atos decisórios praticados nas respectivas ações penais", Fachin deixa de fora as decisões proferidas por Moro na fase de investigação (as buscas e apreensões, a interceptação telefônica, quebras de sigilo). E dá a possibilidade de Brasília validar os atos instrutórios e apenas proferir novas sentenças.
Segundo um precedente do Superior Tribunal de Justiça, no RHC 40.514, em caso de incompetência relativa, "o recebimento da denúncia por parte de juízo territorialmente incompetente tem o condão de interromper o prazo prescricional".
Assim, segundo esse precedente, se o juízo do Distrito Federal recomeçar o processo, a ação poderá ser tocada normalmente, pois os crimes atribuídos a Lula não estariam prescritos.
Fundamentação
Ao decidir sobre o pedido de Habeas Corpus, o ministro suspendeu a afetação do julgamento ao Plenário, que ele mesmo tinha determinado em novembro do ano passado.
A justificativa foi a de que "a causa de pedir subjacente à pretensão deduzida nesta impetração aborda questão cujos contornos já foram submetidos não só ao crivo do Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Inquérito 4.130 QO, em 23.9.2015, mas da própria 2ª Turma, em diversos procedimentos atinentes à denominada operação 'lava jato' nos quais se deliberou, a partir do aludido precedente, sobre a competência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba".
O ministro citou, para isso, outros precedentes: julgamento da Petição 6.863 pela 2ª Turma, relativos à refinaria Abreu e Lima (PE); a Pet 6.727, sobre o mesmo assunto; os inquéritos 4.327 e 4.483, julgados pelo Plenário, que envolviam deputados do PMDB; e, por fim, a Pet 8.090, julgado pela 2ª Turma, na qual Fachin também ficou vencido.
"Diante da pluralidade de fatos ilícitos revelados no decorrer das investigações levadas a efeito na operação 'lava jato', a competência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba foi sendo cunhada à medida em que novas circunstâncias fáticas foram trazidas ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal que, em precedentes firmados pelo Tribunal Pleno ou pela 2ª Turma, sem embargo dos posicionamentos divergentes, culminou em afirmá-la apenas em relação aos crimes praticados direta e exclusivamente em detrimento da Petrobras", resumiu o ministro.
Leia a íntegra da manifestação da defesa de Lula:
Anotação dos processos de Lula pelo STF
Recebemos com serenidade a decisão proferida na data de hoje pelo ministro Edson Fachin que acolheu o habeas corpus que impetramos em 03.11.2020 para reconhecer a incompetência da 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba para analisar as 4 denúncias que foram apresentadas pela extinta "força tarefa" contra o ex-presidente Lula (HC 193.726) — e, consequentemente, para anular os atos decisórios relativos aos processos que foram indevidamente instaurados a partir dessas denúncias.
A incompetência da Justiça Federal de Curitiba para julgar as indevidas acusações formuladas contra o ex-presidente Lula foi por nós sustentada desde a primeira manifestação escrita que apresentamos nos processos, ainda em 2016. Isso porque as absurdas acusações formuladas contra o ex-presidente pela "força tarefa" de Curitiba jamais indicaram qualquer relação concreta com ilícitos ocorridos na Petrobras e que justificaram a fixação da competência da 13ª. Vara Federal de Curitiba pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Questão de Ordem no Inquérito 4.130.
Durante mais de cinco anos percorremos todas as instâncias do Poder Judiciário para que fosse reconhecida a incompetência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba para decidir sobre investigações ou sobre denúncias ofertadas pela "força tarefa" de Curitiba. Também levamos em 2016 ao Comitê de Direitos Humanos da ONU a violação irreparável às garantias fundamentais do ex-presidente Lula, inclusive em virtude da inobservância do direito ao juiz natural — ou seja, o direito de todo cidadão de ser julgado por um juiz cuja competência seja definida previamente por lei e não pela escolha do próprio julgador.
Nessa longa trajetória, a despeito de todas as provas de inocência que apresentamos, o ex-presidente Lula foi preso injustamente, teve os seus direitos políticos indevidamente retirados e seus bens bloqueados. Sempre provamos que todas essas condutas faziam parte de um conluio entre o então juiz Sergio Moro e dos membros da “força tarefa” de Curitiba, como foi reafirmado pelo material que tivemos acesso também com autorização do Supremo Tribunal Federal e que foi por nós levado aos autos da Reclamação nº 43.007/PR.
Por isso, a decisão que hoje afirma a incompetência da Justiça Federal de Curitiba é o reconhecimento de que sempre estivemos corretos nessa longa batalha jurídica, na qual nunca tivemos que mudar nossos fundamentos para demonstrar a nulidade dos processos e a inocência do ex-presidente Lula e o lawfare que estava sendo praticado contra ele.
A decisão, portanto, está em sintonia com tudo o que sustentamos há mais de cinco anos na condução dos processos. Mas ela não tem o condão de reparar os danos irremediáveis causados pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos procuradores da "lava jato" ao ex-presidente Lula, ao Sistema de Justiça e ao Estado Democrático de Direito.
Cristiano Zanin Martins/Valeska Teixeira Zanin Martins
Clique aqui para ler a decisão - HC 193.726
Ação Penal 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (tríplex do Guarujá)
AP 5021365-32.2017.4.04.7000/PR (sítio de Atibaia)
APS 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do Instituto Lula)
AP 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao Instituto Lula)
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