Os presidentes do Senado e da Camara, Davi Alcolumbre, Hugo Motta e o ministro Alexandre de Moraes. Créditos: Antônio Cruz ABr
O ministro Alexandre de Moraes deve ser o relator da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) apresentada pela bancada do PSOL na Câmara que pede a suspensão das votações da Câmara dos Deputados e do Senado que derrubaram o decreto editado pelo presidente Lula com mudanças nas alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras, o IOF.
A ação foi protocolada pelo partido nesta sexta-feira (27). O ministro Gilmar Mendes foi sorteado como relator, mas repassou o caso ao colega alegando que Moraes é responsável por outros processos que tratam do mesmo assunto na corte.
"Ante o exposto, entendo necessário o encaminhamento dos autos à presidência desta Corte, para que, se entender cabível, determine a sua redistribuição", diz Mendes no pedido ao presidente do STF, Luís Roberto Barroso.
Na contestação no STF, o PSOL alega que o PDL - aprovado a toque de caixa em sessões conjuntas comandadas por Davi Alcolumbre (União-AP), no Senado, e Hugo Motta (Republicanos-PB), na Câmara - fere o artigo 49 da Constituição, que autoriza o Congresso a sustar atos do Executivo apenas quando exorbitam do poder regulamentar.
O entendimento é que o PDL aprovado pelo Congresso não regulamenta a lei e fere a competência tributária conferida diretamente ao Executivo pelo artigo 153, parágrafo primeiro, da Constituição, que permite ao governo modificar as alíquotas do IOF dentro dos limites legais.
Para o PSOL, o PDL tramado entre o Centrão e a bancada bolsonarista extrapola as competências do poder legislativo e interfere no poder executivo - justamente o que os oposicionistas alegam sobre ações da cúpula do judiciário.
Para o PSOL, o decreto apenas alterou as alíquotas do IOF, "não havendo qualquer desrespeito ao limite de atuação normativa" - leia a íntegra.
Golpe dos ricaços e do Centrão
Nas sessões das duas casas legislativas da última quarta-feira, que derrubou as mudanças no IOF e aumentou de 513 para 531 o número de deputados, Alcolumbre e Motta aderiram ao plano articulado por Ciro Nogueira (PP-PI) e Antônio Rueda, presidentes do PP e do União, que se reuniram, acertado no dia anterior com os presidentes Republicanos, Marcos Pereira, e do MDB, Baleia Rossi.
O objetivo é "sangrar" Lula e impedir que o presidente avance em pautas sociais, que tem forte apelo ao eleitorado mais pobre, para favorecer Tarcísio de Freitas, cortejado pela chamada Terceira Via, que une o Centrão à Faria Lima e à mídia neoliberal.
Em áudio vazado pelo ICL Notícias no dia 2 de abril, em reportagem de Cleber Lourenço, Ciro Nogueira fala a agentes financeiros da Faria, após participar de evento no BTG Pactual - banco criado pelo ex "super" ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes -, sobre as poucas possibilidades de impeachment de Lula e sinaliza a articulação de outro caminho.
"Só que uma coisa é você tirar Dilma, que tinha naquela época... Porque eu costumo dizer que quem faz impeachment de presidente não é o Congresso, é a população. A Dilma foi tirada porque ela tinha 7%. O Lula tem um piso de 30%", diz. "Um presidente com 30%, não tem como você decretar um impeachment de um presidente. Eu acho que seria muito traumático nesse momento econômico", emenda.
A sanha da Faria Lima, ecoada pela mídia liberal, encontrou no propalado discurso de falta de "austeridade" do governo um mote para iniciar o "sangramento" de Lula. Além disso, foi ao encontro da cobiça do Centrão pelas emendas parlamentares, usadas para abastecer os nichos em ano eleitoral.
A mudança no IOF, com elevação de cobrança de 3,5% em cartões de crédito internacionais - que era de 6,38% no governo Bolsonaro - gerou ainda mais insatisfação entre os ricaços, já insatisfeitos com o aumento do Imposto de Renda para aqueles que ganham acima de R$ 50 mil para compensar a isenção de quem ganha até R$ 5 mil.
Por meio da mídia liberal - até mesmo em editorial n'O Globo, da família Marinho -, os endinheirados cobram cortes de gastos para ajustar as contas públicas, pressionando Lula para desvincular recursos da saúde e da educação, além de cancelar aumentos reais no salário mínimo e aposentadores e reduzir o orçamento de programas sociais, como Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida.
O discurso de austeridade - jogando a conta para os mais pobres - nos jornais foi o estopim para o Centrão se unir à bancada bolsonarista e antecipar a disputa eleitoral com as pautas-bomba no Congresso.
Mesmo com o governo empenhando R$ 1,7 bilhão em emendas para 347 parlamentares, em um acordo para a aprovação do IOF, Motta e Alcolumbre conduziram sessões relâmpagos para derrubar a mudança no imposto, que recaía sobre os mais ricos, e atacar Lula.
"Esse decreto começou mal. O governo editou um decreto que foi rapidamente rechaçado pela sociedade brasileira", bradou Alcolumbre, colocando como "sociedade brasileira" os interesses de menos de 1% que estão sendo afetados pelas medidas econômicas do governo.
Presente na sessão, ao lado de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o ex-ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro (PL) deu o tom para os ataques ao governo, fazendo eco à Faria Lima sobre o "aumento de impostos".
"Nós temos uma carga tributária de país de primeiro mundo com serviços de segundo e terceiro mundo. Não é possível que, num orçamento de mais de R$1 trilhão, não se encontre o que cortar. O povo não aguenta mais pagar imposto", disse Nogueira, que faz coro com os neoliberais e o lobby para cortes de recursos de programas sociais e dos aumentos reais do salário mínimo e da aposentadoria.
Fuga do debate
Com os nomes inscritos para defender as emendas parlamentares em audiência pública realizada nesta sexta-feira (27) no STF, os presidentes da Câmara e do Senado fugiram do debate após o ministro Flávio Dino abrir o evento mandando um claro recado aos congressistas, que reclamam de "interferência" do judiciário sobre assuntos do legislativo.
"O tema das emendas impositivas perpassa o governo da presidenta Dilma, do presidente Temer, Bolsonaro, do presidente Lula e do próximo presidente, seja quem for. Não estamos tratando de um tema de interesse de um governo", iniciou Dino, ao abrir os trabalhos no STF, que debate formas de dar transparência e evitar a proliferação de corrupção em nichos eleitorais a partir das emendas parlamentares impositivas - que o governo federal é obrigado a pagar.
Em claro recado, sobre quem estaria "usurpando" quem, o ministro afirmou que se não houver "emendas parlamentares ajustadas à sua finalidade", a "conta" será paga pelo povo.
"Temos um sistema constitucional a ser [debatido] ou modificado pelo Congresso, que pode fazê-lo a qualquer tempo, salvo em relação à forma federativa de Estado. Todos os outros elementos podem ser revogados pelo Congresso Nacional no momento que quiser. Se o Congresso Nacional quiser tirar a responsabilidade fiscal da Constituição, pode tirar. Se o Congresso quiser tirar o presidencialismo da Constituição, pode tirar. Assim como também pode desconstitucionalizar o devido processo legal orçamentário", afirmou.
"Mas, enquanto estiver na Constituição, não se cuida de uma invasão do Supremo, e, sim, de um dever. Se nós temos normas constitucionais que estão, aparentemente, em dissonância, a harmonização de tais normas é uma atividade tipicamente jurisdicional em todos os países do mundo [e] enquanto o Brasil for regime democrático. Portanto, não há nenhum intuito de usurpação de atribuições de outros Poderes", emendou Dino.
O discurso esvaziou os argumentos dos congressistas, que não querem que o STF, por meio de Flávio Dino, debata com a sociedade a regulamentação das emendas, que passaram a ser obrigatórias a partir de 2015, em meio ao golpe parlamentar contra Dilma Rousseff, e foram turbinadas com o orçamento secreto no governo Jair Bolsonaro (PL), quando também foram criadas as emendas de bancadas.
Em 2015, as emendas por deputado eram de R$ 16 milhões, quando o governo ainda não tinha obrigação de fazer o repasse.
Em 2025, cada deputado indicou R$ 37,3 milhões em emendas individuais, e cada senador, R$ 68,5 milhões. No caso das bancadas, cada estado receberá R$ 528,9 milhões este ano. E o governo é obrigado a executar esses valores.
Fuga
Diante da declaração de Dino, Alcolumbre e Motta vazaram para a mídia liberal - que faz parte do consórcio da Terceira Via - que enviariam os advogados-gerais das respectivas Casas legislativas, Gabrielle Tatith Pereira (Senado) e Jules Michelet Pereira Queiroz e Silva (Câmara) para o debate com Dino.
No cronograma divulgado horas antes pelo STF, a exposição de 30 minutos de Motta estava prevista para acontecer às 12h30. Alcolumbre falaria pelo mesmo tempo em seguida, às 13h.
A partir das 13h30, o advogado-geral a União (AGU), ministro Jorge Messias vai fazer a exposição em nome do governo Lula.
Com informações da Agência Brasil
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