Na semana em que se iniciam as comemorações pela passagem do Dia do Economista, no próximo dia 13, o presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-BA), Gustavo Pessoti, concede entrevista exclusiva para A TARDE, em que faz uma análise da conjuntura atual, avaliando tanto as perspectivas nacionais, bem como os cenários potenciais da economia baiana.
Fala-se muito em lenta recuperação da economia brasileira, enquanto, paralelamente, há uma crise política que parece não ter fim. A economia é cíclica e pode mostrar sua força, ainda assim?
Não há como desassociar, a economia da política, seja nesse atual momento de forte instabilidade ou em outros mais tranquilos. Toda e qualquer decisão econômica tem um componente político. Infelizmente, não há sinais claros de que o pior já passou. Ainda há muitas incertezas em relação ao futuro de matérias tratadas no Congresso Nacional. E, com todas essas questões políticas envolvidas, acho muito difícil que a economia não seja "uma vítima das circunstâncias". Basta ver o aumento do gasto público para deputados e senadores da base aliada, que elevou o déficit público em um momento de baixa arrecadação e de limitação dos gastos públicos, principalmente agora pós a emenda do teto dos gastos.
Se a coisa aqui dentro anda difícil, há alguma chance do atual cenário internacional contribuir para dar um sobrefôlego à economia brasileira?
O cenário internacional oferece poucos riscos ao país e algumas possibilidades. Os riscos estão relacionados ao menor ritmo de crescimento econômico da China, que é nosso principal parceiro comercial, e a uma eventual mudança na política externa com os Estados Unidos de Trump. Apesar dos baixos preços das commodities, que começaram lentamente a se recuperar em 2017, o Brasil deverá ter um superávit comercial de, aproximadamente, U$$ 60 bilhões. Não chega a ser um sobrefôlego, em função do baixo dinamismo da demanda interna (consumo, investimentos e, gastos governamentais), mas, é importante ter saldo positivo na balança comercial, sobretudo, para diminuir o "aperto" das transações correntes do país. O câmbio ainda está competitivo e pode ser um fator exógeno importante para a recuperação econômica, principalmente do setor industrial.
O governo está fazendo tudo, inclusive aumentando ainda mais impostos, para atingir uma meta nas contas públicas que já é deficitária. Por que essa conta negativa foi parar no bolso do consumidor?
A conta do governo é deficitária por alguns equívocos na condução macroeconômica do país, que foram realizados no passado e pela atual gestão presidencial, mas, considero o maior problema o teto de gastos para um país com sérios problemas sociais como o Brasil. Limitou-se o gasto público pela oferta de recursos, mas, as demandas sociais ainda são crescentes, bem como as políticas para combater a pobreza e aumentar a inclusão. Com o país em recessão e com a arrecadação tributária diminuindo vertiginosamente, não restava ao governo federal outra decisão que não passasse pelo aumento dos impostos. A meu ver, o aumento de impostos não é o maior problema, mas, sim a má aplicação dos recursos em políticas públicas e o uso do dinheiro para a corrupção.
Que outras medidas poderiam ser tomadas que não penalizassem tanto a população?
Apesar de ser contra a emenda constitucional do teto dos gastos, defendo uma reorganização dos gastos públicos nas esferas federal, estaduais e municipais. Muitas medidas que poderiam reduzir o gasto público passariam por reformas políticas e tributárias, mas, esse tipo de demanda sempre figura na agenda nacional sem uma solução definitiva para o país. Uma reforma tributária deveria diminuir os impostos regressivos sobre o consumo, que penalizam a população mais pobre, e aumentar o imposto sobre grandes fortunas. Estudos do próprio governo federal apontam que a taxação de grandes fortunas e heranças aumentaria a arrecadação do Tesouro Nacional em aproximadamente R$ 80 bilhões. As mudanças em algumas regalias pagas aos poderes Legislativo e Judiciário, por sua vez, dariam maior fôlego para o Executivo e para a realização de gastos necessários à retomada do crescimento, diminuindo a pressão sobre o orçamento público. Outra questão importante se relaciona às taxas de juros no país. Apesar das quedas da taxa Selic (ainda tímidas para um país em recessão), os juros das aplicações financeiras ainda são muito altos, bem como dos empréstimos e financiamentos. O consumidor quase não tem percebido o rebaixamento dos juros, pois o spread bancário é muito alto no Brasil. Com juros altos e baixas condições de financiamento, torna-se difícil a retomada do consumo e do investimento, sobretudo, pelo baixo nível da demanda interna e da grande quantidade de brasileiros desempregados.
Em relação à economia baiana, que setores mais sofreram com a crise e, dentre eles, quais vêm reagindo melhor agora?
A economia baiana tem uma forte representatividade dos serviços na determinação do seu produto interno bruto (PIB). Segundo as informações da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), esse setor responde por, aproximadamente, 72% do PIB estadual. É claro que a crise da economia brasileira afeta todas as atividades econômicas, inclusive diminuindo os repasses de recursos tributários para o estado. Com menos recursos, dificulta-se a ação do governo estadual que, ainda assim, tem assumido um programa de investimentos em mobilidade urbana e infraestrutura e mantido as contas públicas ajustadas. No entanto, o PIB da Bahia tem acompanhado a tendência declinante do país, sobretudo em função da retração do consumo e baixo volume de investimentos privados. Com o agravamento das condições econômicas do país, as expectativas não são muito animadoras para o setor de serviços, sobretudo por sua forte correlação com o nível de emprego e renda. Na contramão, o setor da agropecuária vem apresentando uma forte recuperação das perdas sofridas em 2016. As expectativas são de um crescimento próximo a 40% na safra de grãos, fazendo com que o agronegócio seja o fiel da balança nas perspectivas econômicas do estado. Acredito que a economia baiana deverá apresentar um crescimento econômico situado entre 0,5 e 1% em 2017.
Como está hoje o mercado para o profissional economista? Como tem sido a atuação do Corecon para o fortalecimento da profissão na Bahia?
Em tempos de crise, as pessoas costumam demandar mais o trabalho dos economistas por conta das suas habilidades específicas para enfrentar os desafios impostos pelo mundo contemporâneo, da sua capacidade de analisar e interpretar os fenômenos econômicos ou de traduzir o conhecimento específico na reorganização e redesenho da economia, cada vez mais conectada à dinâmica nacional e internacional. O mercado de trabalho do economista é amplo e ligado aos mais diferentes campos, desde a pesquisa, atividades de consultoria, até funções de assessoramento econômico e financeiro de empresas dos mais diferentes ramos e atividades. É claro que assim como as demais profissões, todos estão encontrando dificuldades devido ao baixo número de contratações efetivadas em 2017. No entanto, é importante que o mercado saiba e compreenda que ele pode ter um profissional extremamente importante para a realização de negócios e mesmo gerenciamento de atividades. O Conselho Regional da Bahia tem feito uma série de atividades que envolvem prestações de serviços à sociedade baiana, bem como cursos que melhor preparam os economistas para o mercado de trabalho. Boa parte das ações pode ser consultada em nosso site.
Que conselhos o senhor daria para o trabalhador e consumidor baiano, particularmente, no contexto econômico atual?
O baiano é tão sábio e perspicaz que ele já sabe que esse não é um momento de tranquilidade. Infelizmente, essa conjuntura adversa já se arrasta por, aproximadamente, quatro anos e deve durar, pelo menos, até o final dessa década. A crise afeta a empregabilidade, diminui a capacidade fiscal do Estado e traz no bojo soluções ainda mais duras que envolvem precarização do trabalho e supressão de direitos sociais. A reforma da previdência em curso deve tirar ainda mais a tranquilidade de "nossa gente", que se habituou a um estado de bem estar social que, alicerçado em uma Constituição cidadã, protegia a todos que honradamente trabalharam, apesar de todas as dificuldades. Nesse momento, a preocupação não é apenas com a retomada do consumo ou com o aumento dos impostos, mas, com as incertezas, inseguranças e as formas "escolhidas" para retomar o crescimento econômico em curto prazo - algo que em minha opinião não será possível. Talvez falte um pouco mais da alegria e da compaixão dos baianos aos homens de planejamento do Brasil. Repensar as disparidades regionais e a necessidade de combater a pobreza do país pode e deve indicar uma reflexão sobre o que está sendo proposto para o futuro da nação.
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