- Perdeu, perdeu!
É como se ouvisse contra si próprio o que disse para suas vítimas. Depois da fama meteórica por cantar o seu hit no fundo de um camburão da polícia, ao vivo, em um programa da Record, Ítalo Gonçalves da Conceição, 19 anos, quase viu a casa cair pela segunda vez. A Justiça iria lhe roubar a chance de realizar um sonho: cantar em cima de um trio elétrico no Carnaval.
Ítalo, agora conhecido como MC Beijinho, corria sérios riscos de assistir do sofá o sucesso de sua música. Preso em flagrante por roubar dois celulares ameaçando três pessoas com uma faca, foi levado para uma audiência de custódia. O autor de Me Libera Nêga pôde até voltar para casa, mas cheio de restrições. O documento assinado pelo primeiro juiz mostra que foi concedida liberdade provisória a Ítalo mediante o cumprimento de seis medidas cautelares.
Pelo que determinou o magistrado, além de obrigado a se apresentar à justiça mensalmente e fazer tratamento contra as drogas, Ítalo estava impedido de frequentar festas e até de sair de casa depois das 20h. “Eu tava cumprindo medidas de casa. Mas isso já caiu. Já quebrou! O meu advogado já derrubou. Tá tudo liberado. O juiz me liberou!”, comemorava Ítalo na segunda-feira, já ensaiando na produtora Macaco Gordo, cujos sócios são seus empresários.
“Cheguei a pensar que ficaria de fora da maior festa do mundo. Complicado. As pessoas querem MC Beijinho. Como é que ia ser?”. Mas, quem pede a alguém que lhe libere um beijo também sabe solicitar a própria liberdade. A decisão de outro juiz, Roberto Luís Coelho dos Santos, titular da 16ª Vara Criminal, publicada no Diário Oficial do Poder Judiciário no dia 27 de janeiro, acaba de liberar Beijinho para participar da folia.
“Defiro o pedido, concedendo a Ítalo Gonçalves da Conceição a revogação das medidas cautelares contidas nos itens 2, 5 e 6”, escreveu o juiz, referindo-se aos tópicos que impediriam Beijinho de fazer o que mais gosta.
Ainda precisa comparecer mensalmente na Justiça e manter o tratamento contra as drogas. Viajar, só com prévia comunicação. Na segunda-feira, aliás, preparava-se para fazer sua primeira viagem após o crime. Participaria de um programa do canal Multishow, no Rio de Janeiro. “Agora eu posso viajar. Tô partindo para o Rio para fazer um programa de um canal da Globo na Sky”.
Antes da decisão, Beijinho perdeu muitos compromissos. “Tinha muita agenda, fui chamado para vários shows, mas eu não podia. E eu sou um cara que respeito muito as leis. Respeito muito as regras”, disse Ítalo, talvez em um lapso de memória em que esqueceu do que fez. “Mas seu Sebastian derrubou tudo isso. Sebastian Mello é o nome dele. É como se ele tivesse dito: ‘Vai Beijinho! Faz o seu trabalho’”, brincou Ítalo.
Sebastian Mello, advogado criminalista e professor de direito penal da Ufba, assumiu o caso a pedido de um amigo. Sequer está cobrando honorários. “Ítalo não é um bandido. É um artista. Não tem necessidade de estar preso ou cumprindo medida”, acredita o advogado. “Levamos quase uma hora da porta do Fórum até a 16ª Vara. As pessoas paravam ele e faziam fotos. O juiz teve uma postura fantástica”, contou Mello.
Ítalo mandou um recado para o juiz e só faltou chamar ele para um show. “Deus colocou esse juiz na minha frente. Ele trabalhou certo. Que ele seja muito feliz porque ele proporcionou essa felicidade para mim”. E as vítimas? Ítalo chega a achar que as pessoas ameaçadas por ele hoje são possíveis fãs. “Uma hora dessas devem tá esperando um show de MC Beijinho para poder comparecer lá. É certo! É certo que eles tão acompanhando tudo e estão felizes. Porque eles fazem parte da história”.
Um dia, diz Ítalo, espera encontra-los pessoalmente. “Tá cedo. Vamos trabalhar mais um pouco. Mais para frente Deus vai proporcionar isso. Claro que vou encontrar eles. Mais isso é mais para frente. Vou dar um abraço, pedir desculpas e dizer: ‘Olha como eu tô. Eu sou de vocês’”. Ítalo jura que essa foi primeira vez que “rodou”. No jargão do crime, “rodar” quer dizer ser preso. “Primeira e última. Não vou fazer mais. Isso era para ter acontecido? Não. Mas aconteceu”.
Agora MC Beijinho está enfurnado em uma “caverna” da produtora Macaco Gordo ensaiando as participações que vai fazer no Carnaval. “É Nessa Caverna aqui que eu tô me preparando para os shows e para o Carnaval”, confirma. Entre os muitos convites, duas participações confirmadas. Ítalo sobe no trio de Daniela Mercury e Bell Marques durante a maior festa do planeta.
Com Daniela, demonstra intimidade. “Daniela é grande amiga minha. Já tá confirmado. Vou subir no trio e cantar com ela. Me espera, Daniela”, manda o recado. Com Bell, Beijinho realizará um sonho que já havia divulgado: vê-lo cantando uma de suas músicas. “E ainda vou cantar uma música dele também. Você acha que eu vou subir no trio para cantar só Me Libera Nêga, é?”.
'Me comparo aos grandes'
No próprio Carnaval, Beijinho promete ir muito além de Me Libera Nêga. Tem ensaiado outras composições próprias, como Quer Saber e Ó Pra Isso. “Ó pra isso, um raio me acertou. Choque térmico do amor”, deu uma palhinha. Também ensaia Faraó, a qual também pretende emendar em uma das participações. Mas nada impede de cantar qualquer uma das 36 músicas que tem registradas em cartório. “Todas com potencial para ser hit. Eu tenho muita música boa. Músicas que só precisavam ser trabalhadas. É isso que estamos fazendo agora”.
Por isso mesmo, Ítalo desdenha de quem acha que ele vai ser só um fenômeno momentâneo. “Não, rapaz. Tem uma equipe, um exército todo dia trabalhando”. Gaba-se ter sido cantado por Caetano Veloso e de estar sendo acompanhado pelo maestro Alfredo Moura, que estaria preparando as bases para suas músicas. “Várias pessoas estão focadas em mim. Hoje tenho uma equipe. Todo mundo sabe que Me Libera Nêga vem na frente. Mas depois dela tem muita coisa”.
É aí que Ítalo deixa a modéstia de lado e, vislumbrando um futuro próximo, se compara aos maiores nomes da Axé Music. “Eu comparo MC Beijinho com Ivete Sangalo. Eu comparo MC Beijinho com Claudinha. Eu me comparo com artistas grandes. Eu faço um trabalho conceituado. Só precisava do reconhecimento. Agora que veio o reconhecimento eu não vou parar mais, não. Eu não paro nunca mais de cantar para vocês. MC Beijinho é de vocês”.
Jeito de cantar
Ao longo de sua carreira amadora, Ítalo foi aprendendo música quase de forma intuitiva. O seu jeito de cantar, todo particular, tem uma origem curiosa. Ítalo canta desse jeito porque descobriu que assim consegue respirar melhor.
“Sempre que eu afinava mais a voz, colocava o grave, colocava a voz de criança, eu sentia que eu ficava menos cansado. Eu peguei e adaptei isso nas minhas músicas. Agora que tenho contato com profissionais estou vendo que essas coisas eram certas”, disse.
Por mais que tenha notoriedade, Ítalo fala o tempo inteiro de sua origem, nas rodas de partido alto no bairro da Liberdade e nas influências familiares no seu jeito de cantar. Antes de sair cantando daquele camburão, diz Ítalo, Me Libera Nêga já era sucesso na família e em parte do bairro. “Meu tio Luisinho que me ensina a cantar. A vida dele foi nos partidos”.
O tio Luis é citado o tempo inteiro. Foi no tio que ele pensou quando estava dentro do camburão da polícia. Pensou, inclusive, em não cantar a música por receio da família. “Achei que meu tio poderia não gostar. Meu tio e minha mãe. Pensei duas vezes. Achei que eles iam me dar uma bronca por brincar com coisa séria. Mas acabei cantando e deu certo”.
O tio também que sempre o alertou para não ser artista de uma música só. “Eu chegava nos partidos e só cantava Me Libera Nêga ou Quer Saber. Ele dizia: ‘Não, você não pode só cantar duas músicas. E não pode só cantar suas músicas. Tem que cantar as dos outros também”. A mãe de Beijinho também está em tudo. Nos seus planos do presente e do futuro glorioso. “Turnê! Quero fazer turnê. Viajar. Tanto artisticamente quanto familiarmente. Vou pegar e chamar: ‘Mainha, bora ali em Nova York fazer um passeio’”.
Diego Filgueiras, o DJ Zilla, que acompanhava Ítalo nos ensaios, diz que a onda dele é misturar o samba-reggae com o funk. Ensaiando Namorar Pra Que, de MC Kekel, que ele cantou em uma participação no show da La Fúria, na..... “Ele ama essas ondas de funk e tudo o mais. Junta isso ao resgate das coisas da Bahia, do samba-reggae. Tá tudo certo. Essa é a onda dele”, DJ Zilla.
Justiça libera MC Beijinho para fazer shows e tocar no Carnaval; VÍDEO
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